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A guerra da água
Contrariando agências federais, o governo paulista mantém decisão de diminuir a vazão de rio que abastece municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo, e a questão pode parar na Justiça
Paula Rocha (paularocha@istoe.com.br) e Wilson Aquino (waquino@istoe.com.br)
Resultado da
pior seca dos últimos 80 anos, a crise da falta de água no Estado de São
Paulo está gerando uma disputa que pode acabar nos tribunais. Na última
semana, o governo paulista decidiu manter a redução da vazão de água,
de 30 m³ por segundo para apenas 10 m³ por segundo, da represa de
Jaguari (SP) para o rio Paraíba do Sul. A decisão da Companhia Elétrica
de São Paulo (Cesp) contraria a determinação do Operador Nacional do
Sistema Elétrico (ONS) e a recomendação da Agência Nacional de Águas
(ANA), que alertam para a possibilidade de um colapso no abastecimento
de 41 municípios dos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, que
dependem da água do Paraíba do Sul. Caso o governo paulista não acate a
resolução do ONS em 15 dias, a Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel), responsável pela fiscalização do setor, poderá advertir e
aplicar uma multa na Cesp de até 2% do faturamento da companhia. Para
manter a vazão reduzida, o secretário de Saneamento e Recursos Hídricos
de São Paulo, Mauro Arce, admite ir à Justiça pela água do rio Jaguari. É
a primeira vez que uma hidrelétrica descumpre uma determinação do ONS,
órgão responsável pela coordenação e pelo controle da geração e
transmissão de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional (SIN).
SECA
Leito da represa de Jaguari, em São Paulo, que alimenta o rio Paraíba do Sul
Afetado diretamente pela decisão paulista, o
governo do Rio de Janeiro se manifestou contrário à redução da vazão da
represa de Jaguari. Em nota, o governador fluminense Luiz Fernando
Pezão (PMDB) salientou que o descumprimento da orientação do ONS
prejudicava o Estado do Rio, mas defendeu o diálogo para contornar a
crise. “São Paulo não pode tomar uma decisão unilateral. Mas tenho
certeza de que o governo federal, através da ANA, irá determinar o que
tem de ser feito no rio Paraíba do Sul”, disse Pezão. Já o secretário da
Casa Civil do Rio, Leonardo Espíndola, afirmou que a decisão de São
Paulo coloca em risco o equilíbrio da União. “Estado nenhum pode decidir
de forma unilateral como utilizar os recursos hídricos que extrapolam
os seus limites territoriais. Isso não é um debate político. É um debate
técnico”, reclamou.
Em sua defesa, o governador de São Paulo,
Geraldo Alckmin (PSDB), justifica o descumprimento da determinação do
ONS como forma de priorizar o consumo humano em detrimento da geração de
energia, com base na Lei 9.433 de 1997, que institui a Política
Nacional de Recursos Hídricos. Essa aplicação da lei, contudo, só
valeria se o governo paulista decretasse estado de emergência, o que até
agora não foi feito por Alckmin, que tenta a reeleição neste ano. A
Agência Nacional de Águas, por sua vez, afirmou que, até agora, não
recebeu nenhuma justificativa dos órgãos gestores estaduais de São Paulo
para alterar a operação do reservatório de Jaguari e deu um prazo de
cinco dias úteis, contados a partir de 12 de agosto, para que a Cesp
apresente estudos técnicos e jurídicos que justifiquem a decisão.
TRINCHEIRA
Os governadores Geraldo Alckmin (acima), de São Paulo, e Luiz Fernando
Pezão, do Rio, estão em campos opostos. União aguarda relatório
técnico que justifique medida da administração paulista
Para o superintendente de Conservação do
WWF-Brasil, Michael Becker, que é engenheiro com especialização em
gestão de recursos hídricos e economia ambiental, essa é uma crise
anunciada e megaobras de engenharia não vão solucionar o problema.
“Projetos de reúso de água, conservação dos mananciais e incentivo para
quem economiza água são medidas simples, eficazes e permanentes.” Já na
opinião do professor de recursos hídricos da Coppe-UFRJ (Instituto
Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação em Engenharia), Jerson Kelman, que
é ex-presidente da ANA, ex-diretor-geral da Aneel e ex-presidente da
Light, a autoridade federal é quem decide sobre reservatórios de água
compartilhados por cidadãos de diferentes Estados. “Não pode ser
paulista ou fluminense a decidir isoladamente o que fazer com a água.
Tem de ter uma visão de conjunto, levando em consideração o interesse de
todos, e só a União pode fazer isso”, afirmou. A ANA está organizando
ainda para esta semana, em data a definir, uma reunião com
representantes dos governos de São Paulo e do Rio para tratar do
assunto.
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